A edição de portaria 1253/13, que dificulta o acesso ao exame para as mulheres com menos de 50 anos, será questionada na Justiça e os médicos são orientados a buscarem a prevenção integral e evitarem a mamografia unilateral
O acesso aos exames de prevenção ao câncer de mama dentro da rede pública está restrito por conta de medidas adotadas pelo Ministério da Saúde, o que tem deixado milhões de brasileiras, especialmente na faixa de idade inferior a 50 anos com maior risco de desenvolver a doença sem que o diagnóstico seja feito de maneira precoce. O alerta é do quatro das maiores entidades médicas do país dedicadas ao tema – Conselho Federal de Medicina (CFM), Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) – que aproveitaram o Dia Nacional da Mamografia (5 de fevereiro) para chamar a atenção do Governo e da sociedade para este problema.
Elas divulgaram uma nota pública de repúdio à política implementada pelo Ministério da Saúde e orientam médicos e população a continuarem a buscar a prevenção precoce desta doença, independentemente de restrições impostas. O principal alvo da crítica dos médicos é a edição da Portaria 1.253/2013, pela qual o Governo excluiu o direito de mulheres de até 49 anos de realizarem mamografia diagnóstica no Sistema Único de Saúde (SUS). Para as entidades médicas, a portaria é ilegal por contrariar a Lei 11.664/08 que afirma que o SUS deve assegurar “a realização de exame mamográfico a todas as mulheres a partir dos 40 anos de idade”.
Com a portaria do Ministério da Saúde, o governo federal diminuiu o repasse de verbas da União aos municípios para realização de mamografias, restringindo a ação aos exames feitos pelas pacientes na faixa etária de 50 a 69 anos. No entendimento das entidades, a Portaria nº 1.253/13 estabelece que os municípios realizem um procedimento condenável: a meia mamografia, denominada mamografia unilateral. Caso os municípios queiram, terão a opção de arcar sozinhos com o custeio de mamografias para mulheres com até 49 anos podendo remunerar somente a mamografia unilateral, método que não é eficiente na prevenção do câncer de mama.
“A mamografia é um exame que exige a comparação das duas mamas. Com a publicação da Portaria, podese interpretar que é possível realizar a mamografia unilateral. Mas não há como selecionar um dos lados a examinar sendo que a lesão procurada muitas vezes não é palpável. Tampouco se pode admitir a espera de que o tumor cresça para se examinar a mama com maior chance de câncer. Além disso, a chamada mamografia unilateral reduziria pela metade o número de casos diagnosticados. Se este impropério continuar, será inevitável o aumento de mortes e de retirada de seios (mastectomias) que poderiam ser evitadas”, avisam as entidades médicas em nota.
Dados preocupantes
O câncer de mama é a mais freqüente e principal causa de morte por câncer em mulheres no Brasil e no mundo e a mamografia é o principal exame para detectálo precocemente. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que 57 mil novos casos sejam diagnosticados no país em 2014.
De forma geral, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem ressaltado a necessidade de prevenção às neoplasias, doença que deve atingir 24 milhões de pessoas até 2035. Para a Comissão Nacional de Mamografia do Colégio Brasileiro de Radiologia, há estudos regionais que comprovam grande incidência desse tipo de câncer em mulheres de 40 a 49 anos. Em Goiânia (GO), por exemplo, a Comissão afirma que 42% dos casos registrados ocorreram em pacientes abaixo dos 49 anos. Já em Curitiba (PR), de 2005 a 2009, 39,8% das pacientes operadas com diagnóstico de câncer de mama em um hospital oncológico tinham até 49 anos. No documento divulgado, as entidades argumentam que “diante do subfinanciamento da saúde no Brasil, com a diminuição progressiva da participação da União no custeio do SUS e conseqüente oneração dos municípios, na prática, a portaria 1.243/13 nega às mulheres com até 49 anos a prevenção e o tratamento precoce do câncer de mama”.
A incidência global do câncer de mama aumenta progressivamente. De 641.000 casos, em 1980, passou para 1.643.000, em 2010, sendo responsável por 27% dos novos casos de câncer diagnosticados em mulheres. Desse total, cerca de dois terços ocorreram em mulheres acima de 50 anos, principalmente nos países desenvolvidos. Já nas mulheres abaixo dos 50 anos (entre 15 e 49 anos), a incidência de câncer de mama foi duas vezes maior nos países em desenvolvimento, conforme dados da Comissão Nacional de Mamografia. Estando o Brasil no grupo de países em desenvolvimento, a população abaixo dos 50 anos está ainda mais exposta ao risco.
No Brasil, de acordo com o Inca, a mamografia e o exame clínico das mamas (ECM) são os métodos preconizados para o rastreamento na rotina da atenção integral à saúde da mulher. Para as mulheres de 40a 49 anos, a recomendação é o exame clínico anual e a mamografia diagnóstica em caso de resultado alterado do ECM. O Instituto de Câncer (Inca) recomenda que o exame seja feito a cada dois anos por mulheres entre 50 e 69 anos, ou segundo recomendação médica.
O Inca calcula que câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano. Se diagnosticado e tratado precocemente, os resultados são razoavelmente bons. Antes dos 35 anos, a doença é relativamente rara. Acima desta faixa etária sua incidência cresce rápida e progressivamente. Em 2010, no Brasil, morreram 12.705 mulheres e 147 homens em decorrência do câncer de mama. Em 2011, foram 13.225 mortes pela doença.
Manutenção dos exames A mastologista Linei Urban, coordenadora nacional da Comissão Nacional de Mamografia (CNM), explica que a mamografia é o único método de rastreamento que demonstrou ser capaz de promover uma redução absoluta da mortalidade nos casos de câncer de mama (em torno de 50%). Esclarece, ainda, que apesar de a incidência ser menor nas mulheres com menos de 49 anos, os tumores têm crescimento rápido. Ela diz, ainda, pesquisas internacionais concluíram que quase 20% das mortes por câncer de mama e 34% dos anos de expectativa de vida perdidos por câncer de mama ocorreram em mulheres abaixo de 50 anos.
Diante deste quadro preocupante, especialmente para as mulheres, as quatro entidades médicas pretendem contestar judicialmente a edição da Portaria 1243/13 na Justiça e estabelecer um canal de diálogo com o Ministério da Saúde para equacionar o problema com o objetivo de reduzir seu impacto noaumento dos indicadores de mortalidade. Por outro lado, elas recomendam aos médicos em atendimento que continuem a fazer o máximo pela prevenção, usando a mamografia como forma de rastreamento param mulheres com mais de 40 anos e não aceitando a imposição da chamada mamografia unilateral.
DADOS GERAIS SOBRE O CÂNCER NO BRASIL
• Acesso a mamografia: mais de 50% dos pequenos municípios brasileiros não dispõem de mamógrafo.
• Educação da população – em algumas áreas do país, 67% das mulheres desconhecem o valor da mamografia.
• Qualidade dos exames – projeto piloto demonstrou que cerca de 30% das mamografias não tinham condiçao de laudo.
• Número de mamógrafos no Brasil: 4.287 aparelhos (há 2017 mamógrafos disponíveis para o SUS)
– 1574 para imagem
– 443 com estereotaxia
– Em conjunto, eles teriam capacidade de realizar 13,500,000 exames por ano, considerando 25 exames/mamógrafo/dia.
• Mamografias no SUS ~= 3,500,000 por ano.
• No primeiro semestre de 2012, nenhum Estado brasileiro atingiu a meta de realizar a mamografia em 65% da população feminina na faixa etária entre 50 e 69 anos.
• De janeiro a julho de 2013, 1,89 milhão de mamografias foram feitas no País, ante 1,94 milhão em 2012.
O QUE RECOMENDAM AS ENTIDADES MÉDICAS PARA O RASTREAMENTO DO CÂNCER DE MAMA
Mulheres abaixo de 40 anos: Com exceção das mulheres com alto risco, não se recomenda a mamografia, a ultrassonografia ou a ressonância magnética. Mulheres entre 40 e 69 anos: Recomendase a realização anual da mamografia para todas as mulheres. A ultrassonografia e a ressonância magnética só são recomendadas para as mulheres com alto risco. Mulheres acima de 70 anos: Recomendase a mamografia.
NOTA DE REPÚDIO
Governo federal nega direito à prevenção do câncer de mama
O governo federal decidiu, unilateralmente, que mulheres com até 49 anos não têm mais o direito de detectar precocemente o câncer de mama. A Portaria nº 1.253, editada em novembro de 2013 pelo Ministério da Saúde, restringe o repasse de verbas da União aos municípios a mamografias em pacientes na faixa etária de 50 a 69 anos. A medida contraria a Lei 11.664/08, em vigor desde 29 de abril de 2009, segundo a qual todas as mulheres têm direito à mamografia a partir dos 40 anos.
Além disso, a Portaria nº 1.253 refere um procedimento condenável pelos médicos: a meia mamografia, denominada mamografia unilateral, isto é, exame em apenas uma das mamas. Pelo que estabelece o texto, os municípios têm a opção de arcar sozinhos com o custeio de mamografias para mulheres com até 49 anos e podem remunerar somente a mamografia unilateral. Diante do subfinanciamento da saúde no Brasil, com diminuição progressiva da participação da União no custeio do Sistema Único de Saúde e consequente oneração dos municípios, na prática a referida portaria nega às mulheres com até 49 anos a prevenção e o tratamento precoce do câncer de mama.
A mamografia é um exame que exige a comparação das duas mamas. Com a publicação da Portaria, pode se interpretar que é possível realizar a mamografia unilateral. Mas não há como selecionar um dos lados a examinar sendo que a lesão procurada muitas vezes não é palpável. Tampouco se pode admitir a espera de que o tumor cresça para se examinar a mama com maior chance de câncer. Além disso, a chamada mamografia unilateral reduziria pela metade o número de casos diagnosticados. Se este impropério continuar, será inevitável o aumento de mortes e de retirada de seios (mastectomias) que poderiam ser evitadas.
De acordo com parecer da Comissão Nacional de Mamografia – formada pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), estudo internacional aponta redução de 26% a 29% na mortalidade em mulheres entre 40 e 49 anos comparadas a pacientes não submetidas ao rastreamento (mamografia preventiva).
A Comissão também cita estudo brasileiro mostrando que 42% dos casos de câncer de mama registrados em Goiânia (GO) ocorreram em pacientes abaixo dos 49 anos. O levantamento de um grande hospital oncológico de Curitiba (PR) aponta que, de 2005 a 2009, 39,8% das pacientes operadas com diagnóstico de câncer de mama tinham até 49 anos. O índice passou a 37,1% de 2010 a 2011. Dessa forma, o CBR, o CFM, a Febrasgo e a SBM afirmam que as determinações da Portaria nº 1.253 não se enquadram na boa prática médica e são prejudiciais à saúde da mulher brasileira. Defendemos o rastreamento mamográfico para todas as mulheres assintomáticas acima de 40 anos. Enfatizamos também
que, no caso das pacientes que apresentem sintomas mamários, não existe limitação quanto à faixa etária para a avaliação mamográfica, que sempre deve ser bilateral (denominada de mamografia diagnóstica).
Enquanto estudamos contestar a Portaria nº 1.253 na Justiça, se não houver abertura de diálogo por parte do Ministério da Saúde, recomendamos aos médicos que continuem prescrevendo